O conto A Aia, do escritor e jornalista português José Maria d'Eça de
Queirós (que, além dessas duas, tinha outras funções, dentre as quais a de
diplomata), que foi escrito na segunda metade do século XIX e publicado no
mesmo período, sendo lido nos dias atuais, pode gerar muitos questionamentos.
Dentre eles, como uma mulher pode entregar o próprio filho à morte em favor de
outro?
Talvez
alguém não saiba o que é uma aia, a empregada que deu a vida do filho em favor
do filho da patroa, que era rainha. Pois bem, segundo o Dicionário Online de
Português Michaelis, a aia é “1. Preceptora
que cuida da educação de crianças, em casa de famílias nobres ou ricas. 2. Dama de companhia. 3. Camareira, criada de quarto”. Ou
seja, era isso que a Aia fazia.
Mas que
história é essa de dar a vida do filho? Sim, é isso que a aia faz, ao preservar
a vida do Herdeiro do Trono cujo pai morre logo no início do conto devido à
guerra. Essa empregada tivera seu filho no mesmo dia em que a rainha dera à luz
o príncipe, e era ela a responsável por criá-lo e cuidar dele, assim como
amamentá-lo. Ela passava os dias assim, dividida entre o filho de sangue e o de
criação, que na verdade não era seu filho, mas por quem ela tinha grande afeto
e muito cuidado.
Quando o
rei veio a falecer, a criança ainda era apenas um bebê indefeso. O tio
usurpador, irmão bastardo do rei, queria para si a realeza, e não sentiu grande
pesar pela morte do consanguíneo. Em uma noite, inesperadamente, ele assalta o
castelo no intuito de matar o principezinho. A aia, pressentindo que o mal se
aproxima e ouvindo som de luta pelos corredores que seguiam até o quarto onde
ela cuidava de seu filho e do bebê real, sem pensar duas vezes troca as
crianças de berço, a fim de o príncipe ser salvo da morte certa. Contudo, desse
modo, o aspirante ao trono mata seu filho.
O conto é
uma reflexão, e eu, como leitora assídua, não consigo simplesmente ler somente
por ler, sem meditar no assunto tratado. A aia, que se mata ao fim da história,
para poder juntar-se ao filho morto (“- Salvei o meu príncipe, e agora... vou
dar de mama ao meu filho.” – p. 7) está certa ou errada? Ela agiu de maneira
correta “matando” o próprio filho e depois se matando? Penso mesmo que o
suicídio é um profundo equívoco e sempre irei me opor, mas quanto a matar o
filho...
Sim,
precisamos ser razoáveis numa hora dessas! Se a aia não tivesse feito isso,
todo o Reino corria perigo, pois o tio bastardo queria usurpar o trono, e ele
era “homem depravado e bravio”, nas palavras do próprio autor (p. 3). Então,
talvez seria “menos pior” ver um filho morto do que ver o povo todo condenado.
Sim, no
todo eu gostei do conto e recomendo! Mas é fato que não concordo com todo ele,
nem tampouco discordo. Acredito que vá de pessoa a pessoa, depois ler, fazer
seu próprio julgamento. Acima de tudo, porém, volto a afirmar que esse é um
conto para reflexão. E aí, a aia estava certa ou errada?
Quem quiser conferir o conto, é só acessar a VirtualBooks
2 comentários:
Texto muuuito bom ...!!!
Agora, este conto dá pano pra manga da discussão: qual seria o equivalente, hoje, à atitude da aia? Porque, pensando bem, sendo criada no palácio, a situação dela nem iria mudar muito, apesar de mudar radicalmente o caráter do governante do país. Mas ela teve um sentimento extremamente altruísta, pensando no bem de uma nação. Quantas vezes nós nos preocupamos com o bem da nação? A maioria das vezes não nos preocupamos nem em votar bem, nem em acompanhar o mandato daqueles em quem votamos. Além disso, ela foi muito visionária, se preocupando com o futuro da nação. Quantas vezes nos preocupamos com o nosso próprio futuro? As atitudes que temos hoje, como consumismo desenfreado, descuido com prevenção em relação á nossa saúde e ao meio-ambiente, não demonstram preocupação nem com nosso próprio futuro... e é claro que a preocupação com nossa nação passa anos-luz de distância de nossas mentes. Nos entupimos de açúcar, gordura, conservantes; não nos importamos se somos sedentários ou não; não nos importamos com o futuro de nosso planeta, desde que possamos manter o nosso conforto e luxo atuais. Acredito que entregar a vida pela nação é uma atitude extrema, mas os sentimentos que deram origem a ela são, com certeza, nobres, e dignos de admiração. Ass: David Barrientos
David, primo lindo! Obrigada por comentar~
Na verdade, essa é uma resenha que fiz para a faculdade, e postei aqui depois que entreguei para o professor^^ Que bom que você gostou!
Não tinha pensado no conto sob o ângulo que você expôs aqui. Mas realmente, esse conto pode gerar mil e uma reflexões, e isso é bom!
Obrigada mais uma vez^^
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