E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A Chave de um Coração - Capítulo 30


Assim que Carol desligou o celular, Ninomiya entrou no saguão. Vestia uma calça de moleton preta, uma camiseta cinza com alguns desenhos abstratos na frente, um casaco de moleton também cinza, com um capuz cobrindo parcialmente seu rosto, e um par de sapatenis brancos. Tinha o olhar meio perdido e ela pôde perceber o quão desanimado ele estava.
Débora, ao vê-lo entrando, seguiu até ele e o abraçou, não com a euforia habitual, mas com calma e resignação, e ele retribuiu o abraço e deu um selinho nos lábios dela. Os dois caminharam calmamente, de mãos dadas, até o sofá onde Carol estava sentada.
Eles assim, caminhando lado a lado, realmente pareciam um casal de namorados que se amavam muito. Qualquer dúvida que ela tinha a respeito disto sumiu nesse momento. Os dois estavam tão bonitos juntos que Carol sentiu dentro do peito uma felicidade tão grande ao ver como a amiga estava feliz e encontrar o homem de sua vida tão rapidamente! Mesmo com a pequena diferença de altura – com o salto, Débora ficou um pouco mais alta que Nino – eles eram perfeitos juntos.
- Konbanwa, Karorine-san.
- Carol, Nino. Você nunca vai se acostumar né?
- Ok. Karoru.
- Assim está melhor! Konbanwa – Carol ficou de pé, curvou levemente a cabeça e apertou a mão que ele lhe estendia. Depois do aperto de mão, ele se adiantou e beijou-lhe a face.
- Vai sair também?
- Ela vai jantar com o Matsujun – Débora deu uma piscadela para a amiga.
- Boba. Isso mesmo Kazu-chan. Ele deve estar chegando, disse que demorava uns dez minutos.
- Tá bonita, Karoru. Apesar de eu não ser fã de vestidos. Ainda bem que minha namorada é a Deb, hahaha.
Débora olhou fingindo estar brava com Nino e mostrou a língua, dando um sorrisinho em seguida. Ela também não era fã de vestidos, preferia calças, mas tinha um ou dois.
Nino sorriu de volta e levou sua mão aos lábios, beijando-a.
- Arigatou. – Carol ficou um pouco envergonhada e baixou a cabeça.
Ela vestia um vestido preto simples, frente única, com uma bolsinha bege com detalhes em dourado atravessada sobre o corpo.  Usava sandálias não muito altas, também pretas, com detalhes no mesmo tom da bolsa. Sua maquiagem era mais suave que a de Débora, como sempre, somente lápis preto nos olhos e batom marron mel.  O coração, obviemente, pendia sobre o peito, dando um charme todo especial.
Nino reparou pela primeira vez naquela corrente que Sho e Ohno já haviam notado. Mas foi discreto, para não dar na cara que estava observando.
- Vamos então? – Débora se virou para ele e perguntou.
- Hai! Não faz mal a gente ir já, Karoru?
- Iie. – ela balançu a mão no ar, negativamente – Podem ir.
- Etto... ikimasho ka?
- Ikimasho! – Débora soltou a mão do noivo e se aproximou para se despedir com um beijinho no rosto. – Mata ne, Carol.
- Mata! – Nino acenou com a mão e, com a outra, pegou novamente a mão de Débora e ambos seguiram para a porta.
Dali a cinco minutinhos Jun estava entrando no saguão. 
Konbanwa Karoru-chan! – Jun cumprimentou encurvando-se, não sem antes observar que o coração estava no pescoço dela como estivera desde o primeiro dia.
Konbanwa!
Caroline se levantou do sofá onde voltara a sentar-se e cumprimentou Jun com uma leve inclinação da cabeça. Ela não se dava muito bem com o jeito japonês de cumprimentar nem se sentia à vontade de dar beijinhos no rosto de Jun à moda brasileira.
Ambos se sentiam um pouco desconfortáveis na presença um do outro. Não tinham se visto ainda depois da conversa de domingo de manhã.
Ikimasho ka? - Jun perguntou, já se dirigindo à porta. Ele não sabia se devia falar mais alguma coisa e preferiu ir embora logo.
Ikemasho. – Carol disse e o seguiu.
Foram jantar no mesmo restaurante que ele o os outros levaram ela e Débora pra almoçar naquele primeiro dia no Nihon.
Durante a refeição, conversaram somente sobre amenidades. O tempo, as estações, os pontos turísticos de Tóquio que ainda faltavam para as meninas conhecerem, como por exemplo a Tokyo Tower. Falaram do Brasil, das belezas que Carol já vira, das praias e das florestas, os belos lugares, as festas populares de sua cidade que não era cidade grande. Nenhum dos dois queria tocar em algum assunto comprometedor por hora, e ambos não sabiam ao certo até que ponto podiam ir com as palavras, para não comprometer a amizade deles.
Carol não parava de pensar no que acontecera com Jun e Yui e que ela era a causa da desavença. Ao mesmo tempo, não conseguia parar de admirá-lo e sentia que, observando-o assim de perto, cada vez se apaixonava mais, era algo fora de seu controle.
Matsumoto Jun era tão lindo! E estava perfeito naquelas roupas: calça jeans escura, uma camisa branca para fora da calça, blazer e chapéu no mesmo tom e sapatos sociais tão pretos que brilhavam, e ela desconfiou que fosse couro legítimo lustrado. Sem contar o maravilhoso perfume que exalava dele, só de estar a alguns centímetros no carro ao seu lado no banco do passageiro, ela pôde sentir a fragância deliciosa que vinha de Jun.
Jun também a observava discretamente enquanto conversavam amigavelmente e terminavam a refeição. Ela estava deslumbrante aos seus olhos, como não estivera em nenhum dia antes. Aquele vestido caia perfeitamente bem em seu corpo e era um longuete que deixava à mostra apenas os tornozelos.
- Pronto - Jun guardou de volta o cartão de crédito na carteira e colocou-se em pé – Vamos para meu apartamento agora?
Ele pensara muito antes de fazer o convite. Não ia atacá-la nem nada parecido, não era essa sua ideia, mas queria ter a chance, o quanto antes, de mostrar para ela o que verdadeiramente estava sentindo. Pesou os prós e os contras e finalmente chegou à conclusão de que o melhor seria confessar seu amor, mesmo que ela não o correspondesse, pois seria melhor ele ser sincero consigo e com Caroline e pôr logo as cartas na mesa, para evitar sofrimento desnecessário.
Mas se ela o aceitasse, então ambos juntos pensariam numa solução para a separação eminente, dentro de apenas alguns dias, quando ela tivesse que ir embora.  Com certeza, se o amor de Jun fosse correspondido, ele seria o homem mais feliz do mundo e teria toda a força e determinação necessária para enfrentar nem que fosse o diabo para que eles pudessem ficar juntos.
- E então? – ele insistiu, quando Caroline hesitou e não conseguiu falar nada por alguns segundos, que para ele pareceram minutos, ou até mesmo horas.
- Ano... não sei. Seu apartamento? Demo ne... eu nunca fui no seu apartamento.
- Irá hoje. Qual é o problema?
- Jun...
Eles haviam saído do restaurante e a noite estava um pouco gélida. Carol sentiu repentinamente um arrepio enquanto caminhavam lado à lado em direção ao estacionamento e passou as mãos pelos braços, dando um abraço em si mesma. Nesse momento, Jun tirou o blazer e colocou sobre os ombros dela. O perfume dele invadiu seu nariz e sua consciência. Era realmente a melhor fragrância que ela já sentira.
- Você vai pegar um resfriado, Karoru-chan. Está frio e mesmo assim você saiu apenas com esse vestido, sem casaco algum.
- Não precisa. Assim, quem vai sentir frio é você.
- Iie. Demo... ikimasho ka? Para meu apartamento?
Caroline foi pega de surpresa quando novamente ele pergunou aquilo. Não esperava por isto nem sabia como reagir. De repente suas pernas bambearam e ela teve que parar de andar para retomar a concentração. Jun parou a seu lado.
- Doushita no? Algum problema? – a amparando pelas costas.
- Nandemonai.
- Tem certeza?
- Hai. Ano... Matsujun... por que quer que eu vá até sua casa? – voltando a andar lentamente; Jun a acompanhou.
Alcançaram o carro e, antes de ele entrar, abriu a porta para ela, esperou que ela entrasse e depois a fechou, como um cavalheiro. Carol gostava desses modos que apenas gentleman’s genuínos ainda mantinham nos dias atuais. Homens que traziam, desde o berço, uma educação bem direcionada e maneiras refinadas. Homens que sabiam lidar com uma mulher.
Matsumoto Jun não só abriu a porta do carro para ela ali no estacionamento do restaurante, como também ao saírem do hotel, e no restaurante puxou sua cadeira. Sim, ele era um cavalheiro autêntico e isso fez com que ela se apaixonasse ainda mais.
Quando ele entrou e se sentou atrás do volante, respondeu, encarando-a com o maior dos sorrisos, que a fez querer acompanhá-lo para qualquer lugar:
- Porque eu quero ficar um pouquinho a sós com você. Quero conversar com você. Tenho coisas a te dizer e tem algo que quero te mostrar.
- Mostrar a mim?
- Hai! – dando a partida no carro.
- Err... ano...
- Você está... com medo de mim?
- Medo? – ela o olhou espantada, enquanto ele manobrava o carro para sair do estacionamento.
- É. Não precisa ter medo, Karoru-chan.
- Não tenho. Por que estaria com medo de você?
- Não sei. – ele aproveitou que o sinal estava fechado e a olhou, com um belo sorriso – Poderia pensar que sou algum maníaco sexual ou algo assim – completou, com tom de voz maroto, e deu uma risada.
Caroline riu também, mas a verdade é que estava nervosa. Não sabia se devia ou não aceitar o convite dele. Mas ele estava tão sublime naquela noite, tão encantador, e quando ele olhava para ela daquele jeito, seu coração parecia que ia saltar do peito. Por fim, ela disse:
- Daijoubu. Iremos... para seu apartamento.
Durante o restante do percurso, de uns dez minutos, ambos ficaram em silêncio. Jun exultava de felicidade e sentia-se ansioso, pois não sabia ao certo o que falaria e como agiria. Carol, por sua vez, sentiu-se um pouco desconfortável e tinha certo receio do que poderia acontecer. De repente, sentiu medo. Não de Jun, lógico que não. Medo dela própria.
Jun entrou na garagem e se dirigiu ao elevador, e Caroline o seguia em silêncio. Ela sabia que Yui era sua vizinha e, de certa forma, mesmo ela não estando ali, Carol se sentiu invadindo o território inimigo quando passaram na frente do apartamento dela e Jun o indicou com a mão, e pegou a chave de seu próprio apartamento.
- Karoru-chan, pode entrar – ele avançou e novamente ela o seguiu.
Matsumoto Jun tirou o chapéu e o penturou numa chapeleira pregada na parede e descalçou os sapatos, colocando os chinelos. Na mesma prateleira de onde os pegou, tinha um par de chinelos cor-de-rosa.
- Use estes. São de Yui.
- Posso mesmo? – ela já tirava as sandálias.
- Claro! Agora, sente-se ali no sofá que vou preparar um chá para nós. Se quiser, pode ligar a televisão.
Caroline fez um gesto afirmativo com a cabeça e foi se sentar, enquanto ele foi para a cozinha. Não quis ligar a TV. Pegou um mangá que estava solto sobre o sofá e começou a folheá-lo. Era o quinto volume de One Piece, uma história de anos atrás, que fez muito sucesso no Brasil, mas com o tempo foi sendo suplantado por quadrinhos mais atuais.
Ela começou a ler e acabou se distraindo, nem notando que Jun voltara e estava sentadas na outra ponta do sofá, com as duas xícaras na mão, de onde saía fumaça. Quando ergueu os olhos para afastar um fio rebelde de cabelo da testa, o enxergou e instantaneamente fechou o mangá.
- Pode continuar a leitura.
- É melhor não – ela se aproximou um pouco dele – O chá vai esfriar.
Carol esticou a mão e pegou uma xícara, soprando de leve e levando-a à boca. Jun fez o mesmo. Eles ficaram em silêncio por uns quinze minutos, enquanto bebiam calmamente o chá, olhando um para o outro e, esporadicamente, seus olhares se encontravam e eles sorriam.
Finalmente, quando a bebida terminou, Carol soltou o copo sobre a mesinha de centro, respirou fundo e abriu a boca para falar. Alguém tinha que quebrar aquela quietude constrangedora, onde só se ouvia os barulhos dos carros lá embaixo na rua. Ela disse:
- Ano... Matsujun...
- Nani? – ele também soltou sua xícara e olhou para ela.
- Err... o que você queria falar comigo?
Jun sabia que uma hora ou outra teria que dizer alguma coisa, mas a verdade é que ele estava sem coragem. Sentiu seu coração bater forte e, sem responder, apenas se levantou e caminhou devagar até seu quarto. Acendeu a luz, abriu a gaveta e tirou de lá o pingente de chave, e para não deixar que Caroline visse, escondeu dentro da mão e apertou os dedos. Voltou para a sala.
Carol o observou atentamente. Não entendeu o que ele foi fazer no quarto, nem conseguiu ver se ele tinha realmente feito algo, já que não dava para ver nada além da porta de onde ela estava sentada. Viu-o se aproximando novamente, com a mão esquerda fechada em punho. Era evidente que ele trazia algo dentro dela, mas ela não sabia o que era.
Dessa vez, ele se sentou mais perto de Carol no sofá e a encarou. Ela ainda estava com o blazer dele e de repente, vendo-o tão perto, sentiu calor, devido ao nervosismo, e tirou o casaco, deixando-o sobre o encosto do sofá. Nesse instante, quando ela se virou e novamente olhou para Jun, ele abriu a palma e nela estava a chave que Carol mandara para ele em 2011.
- Jun, o que...
- Shhhh... – ele levou o dedo em riste sobre os lábios dela.
Com o toque, aquele mínimo toque, ela sentiu que seu coração ia parar de bater.
- Esta chave – Jun tirou o dedo dos lábios dela e novamente a encarou, segurando firmemente a chave entre os dedos. – é desse coração, né?
Automaticamente, a mão dela, que pendia no colo, ergueu-se e os dedos se fecharam em volta do pingente em seu pescoço. De olhos fechados e cabeça baixa, Carol concordou com a cabeça.
- Eu sabia! Por que me mandou essa chave, Karoru-chan?
- Eu... eu... – ela gaguejou – eu não tenho certeza.
- Você... sente algo por mim?
Ela pensou em mentir. Negar aquilo tudo. Mas quando ia responder negativamente, o som não saiu e ela se sentiu completamente impotente diante de Matsumoto Jun. Então, simplesmente concordou, ainda de cabeça baixa.
- Você... sente o que por mim, Karoru-chan?
- Ano... – ela disse, mas quase não saiu voz. Não esperava por aquilo. Calou.
- Diz pra mim.
- Eu... – ela começou a falar com a voz normal e foi baixando gradativamente – Eu... estou apaixonada por você.
- Nani? Fale um pouquinho mais alto, onegai. Eu não consegui ouvir.
- Eu... estou apaixonada por você.
Ela falou um pouquinho mais alto e ele entendeu, mas queria ouvi-la mais uma vez. Então fez um gesto para que ela falasse novamente, fingindo que ainda não tinha escutado.
- Eu gosto de você. – dessa vez ela falou a frase inteira em tom constante e audível.
Caroline já sentia seus olhos inundarem de lágrimas. Não sabia por que, mas sentiu uma vontade incontrolável de chorar. Não esperava ser interrogada dessa forma, não esperava ter que confessar isso. Com certeza, agora o Matsujun devia estar com raiva dela ou algo parecido. Ia mandá-la embora dali e não quereria mais vê-la até o dia de sua viagem. Esses pensamentos fizeram com que as lágrimas ainda suspensas no olhar rolassem por sua face.
Jun a viu chorar assim baixinho, com a cabeça baixa, e sentiu uma ternura imensa. Não continha a felicidade de saber que ela também gostava dele, mas as lágrimas dela o surpreenderam e ele foi impulsionado a fazer alguma coisa.
Sem nenhum aviso prévio, ele soltou a chave no colo, segurou o rosto de Carol entre suas mãos e a beijou suavemente. A princípio, ela não retribuiu o beijo, assustada, mas lentamente foi abrindo os lábios. A água salgada em sua face invadia a boca de ambos, mas nenhum dos dois se importava.
Depois de alguns minutos, ambos pararam para respirar. Ele então beijou todo o rosto de Caroline, secando-lhe as lágrimas. Ela ainda chorava, mas já não tinha certeza se era de tristeza ou alegria. Jun era o melhor homem que existia na face da terra, Carol não tinha nenhuma dúvida.
- Karoru-chan... – ele falou enquanto a beijava delicadamente – Ore mo. Daisuki dayo.
- Hontou? – ela lentamente deixou um sorriso aflorar, que iluminou o ambiente.
- Hai!
Impulsivamente, ela abraçou-o com força e chorou sobre seu ombro. Jun retribuiu o abraço e, com a mão, alisava seus cabelos. Ficaram assim por alguns minutos, em silêncio, somente ouvindo a respiração de ambos, sem pensar em nada além da felicidade que ambos sentiam.

Nenhum comentário: