Assim que Carol desligou
o celular, Ninomiya entrou no saguão. Vestia uma calça de moleton preta, uma
camiseta cinza com alguns desenhos abstratos na frente, um casaco de moleton
também cinza, com um capuz cobrindo parcialmente seu rosto, e um par de
sapatenis brancos. Tinha o olhar meio perdido e ela pôde perceber o quão
desanimado ele estava.
Débora, ao vê-lo
entrando, seguiu até ele e o abraçou, não com a euforia habitual, mas com calma
e resignação, e ele retribuiu o abraço e deu um selinho nos lábios dela. Os
dois caminharam calmamente, de mãos dadas, até o sofá onde Carol estava
sentada.
Eles assim, caminhando
lado a lado, realmente pareciam um casal de namorados que se amavam muito.
Qualquer dúvida que ela tinha a respeito disto sumiu nesse momento. Os dois estavam
tão bonitos juntos que Carol sentiu dentro do peito uma felicidade tão grande
ao ver como a amiga estava feliz e encontrar o homem de sua vida tão
rapidamente! Mesmo com a pequena diferença de altura – com o salto, Débora
ficou um pouco mais alta que Nino – eles eram perfeitos juntos.
- Konbanwa,
Karorine-san.
- Carol, Nino. Você nunca vai se
acostumar né?
- Ok. Karoru.
- Assim está melhor! Konbanwa – Carol ficou de pé, curvou
levemente a cabeça e apertou a mão que ele lhe estendia. Depois do aperto de
mão, ele se adiantou e beijou-lhe a face.
- Vai sair também?
- Ela vai jantar com o
Matsujun – Débora deu uma piscadela para a amiga.
- Boba. Isso mesmo
Kazu-chan. Ele deve estar chegando, disse que demorava uns dez minutos.
- Tá bonita, Karoru.
Apesar de eu não ser fã de vestidos. Ainda bem que minha namorada é a Deb,
hahaha.
Débora olhou fingindo
estar brava com Nino e mostrou a língua, dando um sorrisinho em seguida. Ela
também não era fã de vestidos, preferia calças, mas tinha um ou dois.
Nino sorriu de volta e
levou sua mão aos lábios, beijando-a.
- Arigatou. – Carol ficou um pouco envergonhada e baixou a cabeça.
Ela vestia um vestido
preto simples, frente única, com uma bolsinha bege com detalhes em dourado
atravessada sobre o corpo. Usava sandálias não muito altas, também
pretas, com detalhes no mesmo tom da bolsa. Sua maquiagem era mais suave que a
de Débora, como sempre, somente lápis preto nos olhos e batom marron mel.
O coração, obviemente, pendia sobre o peito, dando um charme todo especial.
Nino reparou pela
primeira vez naquela corrente que Sho e Ohno já haviam notado. Mas foi
discreto, para não dar na cara que estava observando.
- Vamos então? – Débora
se virou para ele e perguntou.
- Hai! Não faz mal a gente ir já, Karoru?
- Iie. – ela balançu a mão no ar, negativamente – Podem ir.
- Etto... ikimasho ka?
- Ikimasho! – Débora soltou a mão do noivo e se aproximou para se
despedir com um beijinho no rosto. – Mata
ne, Carol.
- Mata! – Nino acenou com a mão e, com a outra, pegou novamente a mão
de Débora e ambos seguiram para a porta.
Dali a cinco minutinhos
Jun estava entrando no saguão.
− Konbanwa Karoru-chan! – Jun cumprimentou encurvando-se, não
sem antes observar que o coração estava no pescoço dela como estivera desde o
primeiro dia.
− Konbanwa!
Caroline se levantou do
sofá onde voltara a sentar-se e cumprimentou Jun com uma leve inclinação da
cabeça. Ela não se dava muito bem com o jeito japonês de cumprimentar nem se
sentia à vontade de dar beijinhos no rosto de Jun à moda brasileira.
Ambos se sentiam um pouco
desconfortáveis na presença um do outro. Não tinham se visto ainda depois da
conversa de domingo de manhã.
− Ikimasho ka? - Jun perguntou, já se dirigindo à porta. Ele não
sabia se devia falar mais alguma coisa e preferiu ir embora logo.
− Ikemasho. – Carol disse e o seguiu.
Foram jantar no mesmo
restaurante que ele o os outros levaram ela e Débora pra almoçar naquele
primeiro dia no Nihon.
Durante a refeição,
conversaram somente sobre amenidades. O tempo, as estações, os pontos
turísticos de Tóquio que ainda faltavam para as meninas conhecerem, como por
exemplo a Tokyo Tower. Falaram do Brasil, das belezas que Carol já vira,
das praias e das florestas, os belos lugares, as festas populares de sua cidade
que não era cidade grande. Nenhum dos dois queria tocar em algum assunto
comprometedor por hora, e ambos não sabiam ao certo até que ponto podiam ir com
as palavras, para não comprometer a amizade deles.
Carol não parava de
pensar no que acontecera com Jun e Yui e que ela era a causa da desavença. Ao
mesmo tempo, não conseguia parar de admirá-lo e sentia que, observando-o assim
de perto, cada vez se apaixonava mais, era algo fora de seu controle.
Matsumoto Jun era tão
lindo! E estava perfeito naquelas roupas: calça jeans escura, uma camisa
branca para fora da calça, blazer e chapéu no mesmo tom e sapatos sociais tão
pretos que brilhavam, e ela desconfiou que fosse couro legítimo lustrado. Sem
contar o maravilhoso perfume que exalava dele, só de estar a alguns centímetros
no carro ao seu lado no banco do passageiro, ela pôde sentir a fragância
deliciosa que vinha de Jun.
Jun também a observava
discretamente enquanto conversavam amigavelmente e terminavam a refeição. Ela
estava deslumbrante aos seus olhos, como não estivera em nenhum dia antes.
Aquele vestido caia perfeitamente bem em seu corpo e era um longuete que
deixava à mostra apenas os tornozelos.
- Pronto - Jun
guardou de volta o cartão de crédito na carteira e colocou-se em pé – Vamos
para meu apartamento agora?
Ele pensara muito antes
de fazer o convite. Não ia atacá-la nem nada parecido, não era essa sua ideia,
mas queria ter a chance, o quanto antes, de mostrar para ela o que
verdadeiramente estava sentindo. Pesou os prós e os contras e finalmente chegou
à conclusão de que o melhor seria confessar seu amor, mesmo que ela não o
correspondesse, pois seria melhor ele ser sincero consigo e com Caroline e pôr
logo as cartas na mesa, para evitar sofrimento desnecessário.
Mas se ela o aceitasse,
então ambos juntos pensariam numa solução para a separação eminente, dentro de
apenas alguns dias, quando ela tivesse que ir embora. Com certeza, se o
amor de Jun fosse correspondido, ele seria o homem mais feliz do mundo e teria
toda a força e determinação necessária para enfrentar nem que fosse o diabo
para que eles pudessem ficar juntos.
- E então? – ele
insistiu, quando Caroline hesitou e não conseguiu falar nada por alguns
segundos, que para ele pareceram minutos, ou até mesmo horas.
- Ano... não sei. Seu apartamento? Demo ne... eu nunca fui no seu apartamento.
- Irá hoje. Qual é o
problema?
- Jun...
Eles haviam saído do
restaurante e a noite estava um pouco gélida. Carol sentiu repentinamente um
arrepio enquanto caminhavam lado à lado em direção ao estacionamento e passou
as mãos pelos braços, dando um abraço em si mesma. Nesse momento, Jun tirou o
blazer e colocou sobre os ombros dela. O perfume dele invadiu seu nariz e sua
consciência. Era realmente a melhor fragrância que ela já sentira.
- Você vai pegar um
resfriado, Karoru-chan. Está frio e mesmo assim você saiu apenas com
esse vestido, sem casaco algum.
- Não precisa. Assim,
quem vai sentir frio é você.
- Iie. Demo... ikimasho ka?
Para meu apartamento?
Caroline foi pega de
surpresa quando novamente ele pergunou aquilo. Não esperava por isto nem sabia
como reagir. De repente suas pernas bambearam e ela teve que parar de andar
para retomar a concentração. Jun parou a seu lado.
- Doushita no? Algum problema? – a amparando pelas costas.
- Nandemonai.
- Tem certeza?
- Hai. Ano... Matsujun... por que quer que eu vá até sua casa? –
voltando a andar lentamente; Jun a acompanhou.
Alcançaram o carro e,
antes de ele entrar, abriu a porta para ela, esperou que ela entrasse e depois
a fechou, como um cavalheiro. Carol gostava desses modos que apenas gentleman’s
genuínos ainda mantinham nos dias atuais. Homens que traziam, desde o berço,
uma educação bem direcionada e maneiras refinadas. Homens que sabiam lidar com
uma mulher.
Matsumoto Jun não só
abriu a porta do carro para ela ali no estacionamento do restaurante, como
também ao saírem do hotel, e no restaurante puxou sua cadeira. Sim, ele era um
cavalheiro autêntico e isso fez com que ela se apaixonasse ainda mais.
Quando ele entrou e se
sentou atrás do volante, respondeu, encarando-a com o maior dos sorrisos, que a
fez querer acompanhá-lo para qualquer lugar:
- Porque eu quero ficar
um pouquinho a sós com você. Quero conversar com você. Tenho coisas a te dizer
e tem algo que quero te mostrar.
- Mostrar a mim?
- Hai! – dando a partida no carro.
- Err... ano...
- Você está... com medo
de mim?
- Medo? – ela o olhou
espantada, enquanto ele manobrava o carro para sair do estacionamento.
- É. Não precisa ter
medo, Karoru-chan.
- Não tenho. Por que
estaria com medo de você?
- Não sei. – ele
aproveitou que o sinal estava fechado e a olhou, com um belo sorriso – Poderia
pensar que sou algum maníaco sexual ou algo assim – completou, com tom de voz
maroto, e deu uma risada.
Caroline riu também, mas
a verdade é que estava nervosa. Não sabia se devia ou não aceitar o convite
dele. Mas ele estava tão sublime naquela noite, tão encantador, e quando ele
olhava para ela daquele jeito, seu coração parecia que ia saltar do peito. Por
fim, ela disse:
- Daijoubu. Iremos... para seu apartamento.
Durante o restante do
percurso, de uns dez minutos, ambos ficaram em silêncio. Jun exultava de
felicidade e sentia-se ansioso, pois não sabia ao certo o que falaria e como
agiria. Carol, por sua vez, sentiu-se um pouco desconfortável e tinha certo
receio do que poderia acontecer. De repente, sentiu medo. Não de Jun, lógico
que não. Medo dela própria.
Jun entrou na garagem e
se dirigiu ao elevador, e Caroline o seguia em silêncio. Ela sabia que Yui era
sua vizinha e, de certa forma, mesmo ela não estando ali, Carol se sentiu
invadindo o território inimigo quando passaram na frente do apartamento dela e
Jun o indicou com a mão, e pegou a chave de seu próprio apartamento.
- Karoru-chan,
pode entrar – ele avançou e novamente ela o seguiu.
Matsumoto Jun tirou o
chapéu e o penturou numa chapeleira pregada na parede e descalçou os sapatos,
colocando os chinelos. Na mesma prateleira de onde os pegou, tinha um par de
chinelos cor-de-rosa.
- Use estes. São de Yui.
- Posso mesmo? – ela já
tirava as sandálias.
- Claro! Agora, sente-se
ali no sofá que vou preparar um chá para nós. Se quiser, pode ligar a
televisão.
Caroline fez um gesto
afirmativo com a cabeça e foi se sentar, enquanto ele foi para a cozinha. Não
quis ligar a TV. Pegou um mangá que estava solto sobre o sofá e começou a
folheá-lo. Era o quinto volume de One
Piece, uma história de anos atrás, que fez muito sucesso no Brasil, mas com
o tempo foi sendo suplantado por quadrinhos mais atuais.
Ela começou a ler e
acabou se distraindo, nem notando que Jun voltara e estava sentadas na outra
ponta do sofá, com as duas xícaras na mão, de onde saía fumaça. Quando ergueu
os olhos para afastar um fio rebelde de cabelo da testa, o enxergou e
instantaneamente fechou o mangá.
- Pode continuar a
leitura.
- É melhor não – ela se
aproximou um pouco dele – O chá vai esfriar.
Carol esticou a mão e pegou
uma xícara, soprando de leve e levando-a à boca. Jun fez o mesmo. Eles ficaram
em silêncio por uns quinze minutos, enquanto bebiam calmamente o chá, olhando
um para o outro e, esporadicamente, seus olhares se encontravam e eles sorriam.
Finalmente, quando a
bebida terminou, Carol soltou o copo sobre a mesinha de centro, respirou fundo
e abriu a boca para falar. Alguém tinha que quebrar aquela quietude
constrangedora, onde só se ouvia os barulhos dos carros lá embaixo na rua. Ela
disse:
- Ano... Matsujun...
- Nani? – ele também soltou sua xícara e olhou para ela.
- Err... o que você
queria falar comigo?
Jun sabia que uma hora ou
outra teria que dizer alguma coisa, mas a verdade é que ele estava sem coragem.
Sentiu seu coração bater forte e, sem responder, apenas se levantou e caminhou
devagar até seu quarto. Acendeu a luz, abriu a gaveta e tirou de lá o pingente
de chave, e para não deixar que Caroline visse, escondeu dentro da mão e
apertou os dedos. Voltou para a sala.
Carol o observou atentamente.
Não entendeu o que ele foi fazer no quarto, nem conseguiu ver se ele tinha
realmente feito algo, já que não dava para ver nada além da porta de onde ela
estava sentada. Viu-o se aproximando novamente, com a mão esquerda fechada em
punho. Era evidente que ele trazia algo dentro dela, mas ela não sabia o que
era.
Dessa vez, ele se sentou
mais perto de Carol no sofá e a encarou. Ela ainda estava com o blazer dele e
de repente, vendo-o tão perto, sentiu calor, devido ao nervosismo, e tirou o
casaco, deixando-o sobre o encosto do sofá. Nesse instante, quando ela se virou
e novamente olhou para Jun, ele abriu a palma e nela estava a chave que Carol
mandara para ele em 2011.
- Jun, o que...
- Shhhh... – ele levou o
dedo em riste sobre os lábios dela.
Com o toque, aquele
mínimo toque, ela sentiu que seu coração ia parar de bater.
- Esta chave – Jun tirou
o dedo dos lábios dela e novamente a encarou, segurando firmemente a chave
entre os dedos. – é desse coração, né?
Automaticamente, a mão
dela, que pendia no colo, ergueu-se e os dedos se fecharam em volta do pingente
em seu pescoço. De olhos fechados e cabeça baixa, Carol concordou com a cabeça.
- Eu sabia! Por que me
mandou essa chave, Karoru-chan?
- Eu... eu... – ela
gaguejou – eu não tenho certeza.
- Você... sente algo por
mim?
Ela pensou em mentir.
Negar aquilo tudo. Mas quando ia responder negativamente, o som não saiu e ela
se sentiu completamente impotente diante de Matsumoto Jun. Então, simplesmente concordou,
ainda de cabeça baixa.
- Você... sente o que por
mim, Karoru-chan?
- Ano... – ela disse, mas quase não saiu voz. Não esperava por
aquilo. Calou.
- Diz pra mim.
- Eu... – ela começou a
falar com a voz normal e foi baixando gradativamente – Eu... estou apaixonada
por você.
- Nani? Fale um pouquinho mais alto, onegai. Eu não consegui ouvir.
- Eu... estou apaixonada
por você.
Ela falou um pouquinho
mais alto e ele entendeu, mas queria ouvi-la mais uma vez. Então fez um gesto
para que ela falasse novamente, fingindo que ainda não tinha escutado.
- Eu gosto de você. –
dessa vez ela falou a frase inteira em tom constante e audível.
Caroline já sentia seus
olhos inundarem de lágrimas. Não sabia por que, mas sentiu uma vontade
incontrolável de chorar. Não esperava ser interrogada dessa forma, não esperava
ter que confessar isso. Com certeza, agora o Matsujun devia estar com raiva
dela ou algo parecido. Ia mandá-la embora dali e não quereria mais vê-la até o
dia de sua viagem. Esses pensamentos fizeram com que as lágrimas ainda
suspensas no olhar rolassem por sua face.
Jun a viu chorar assim
baixinho, com a cabeça baixa, e sentiu uma ternura imensa. Não continha a
felicidade de saber que ela também gostava dele, mas as lágrimas dela o
surpreenderam e ele foi impulsionado a fazer alguma coisa.
Sem nenhum aviso prévio,
ele soltou a chave no colo, segurou o rosto de Carol entre suas mãos e a beijou
suavemente. A princípio, ela não retribuiu o beijo, assustada, mas lentamente
foi abrindo os lábios. A água salgada em sua face invadia a boca de ambos, mas
nenhum dos dois se importava.
Depois de alguns minutos,
ambos pararam para respirar. Ele então beijou todo o rosto de Caroline,
secando-lhe as lágrimas. Ela ainda chorava, mas já não tinha certeza se era de
tristeza ou alegria. Jun era o melhor homem que existia na face da terra, Carol
não tinha nenhuma dúvida.
- Karoru-chan... –
ele falou enquanto a beijava delicadamente – Ore mo. Daisuki dayo.
- Hontou? – ela lentamente deixou um sorriso aflorar, que iluminou o ambiente.
- Hai!
Impulsivamente, ela
abraçou-o com força e chorou sobre seu ombro. Jun retribuiu o abraço e, com a
mão, alisava seus cabelos. Ficaram assim por alguns minutos, em silêncio,
somente ouvindo a respiração de ambos, sem pensar em nada além da felicidade
que ambos sentiam.
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