E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também.

domingo, 28 de outubro de 2012

A Chave do Coração de Miyuki


Jun e Caroline estavam sentados juntos. Ele com a corrente e o pingente de coração dentro da mão direita fechada em punho. Ela, da mesma forma, porém na mão esquerda, guardava a chave. Sentados lado a lado no sofá, de mãos dadas, esperavam pacientemente que Miyuki, a filha de 18 anos dos dois, chegasse com o resultado do exame para entrada na Universidade de Tóquio.

Eles haviam decidido que chegara a hora de dar à filha aqueles pingentes para ela entregar a chave de seu coração para quem lhe aprouvesse. Foi o que dona Marta fizera quando Carol era ainda criança. Contudo, depois de os dois conversarem, chegaram à conclusão de que seria melhor dar os colares à Miyuki quando ela tivesse maior conhecimento de mundo, maturidade e logo entendesse o significado tão profundo deles.

Durante duas décadas, Jun e Caroline usaram ininterruptamente aqueles colares e, até mesmo antes, no Brasil, Caroline usou o coração por anos. Os dois se casaram em abril de 2016, mês em que Tóquio fica florida com as Sakuras aqui e ali, e a cerimônia foi realizada no mesmo salão onde acontecera o casamento de Nino e Débora no ano anterior.

Por falar neles, os dois viviam uma união feliz e estável. Tinham três filhos, sendo Hiromi a mais velha, e também prestara exame para entrar na Toudai. Os dois mais novos, Yuri e Akio, eram gêmeos e tinham 9 anos.

Hiromi era a melhor amiga de Miyuki e ambas tinham ido juntas à universidade. Os pais de Hiromi iriam preparar o almoço para os membros do Arashi e suas famílias, mas como o Jun e a Carol pediram para Miyuki ir para casa depois de ver o resultado, as duas se separaram.

- Estarei em casa te esperando. – disse Hiromi – Tenho certeza que o ojisan e a obasan vão entender.

- Arigatou, Hiro-chan. A gente se vê depois. Jya ne. E mais uma vez, omedetou.

- Arigatou. Jya, Miyu-chan.

Cada uma seguiu seu caminho. A casa de Miyuki era mais ou menos perto dali. Ela optou por ir a pé, assim demoraria no mínimo meia hora para encarar seus pais. Poderia, então, pensar bem e encontrar as palavras adequadas para falar a eles.

Obviamente, àquela altura, eles já sabiam. A lista com os nomes dos aprovados há anos corria pela internet assim que era divulgada. Então, o que ela tinha para dizer já não seria novidade. Talvez fosse melhor chegar e falar logo, “na lata”, do que enrolar muito, se eles tinham visto o resultado com os próprios olhos.

Sinceramente, Miyuki estava muito mais preocupada com eles do que consigo mesma. Afinal, a Toudai era a universidade mais famosa e bem conceituada do Japão. Eles esperavam que ela fosse para lá, e o mais importante era a felicidades deles.

Mas ela mesma não se importava tanto, sabia que aquele resultado era o mais correto, pois se ela tivesse estudado um pouco mais, sabia que teria sido aprovada. Porém, no próximo ano passaria com certeza!

***

Quando faltavam 20 minutos para o meio dia, Miyuki entrou em casa. Carol deitara no colo do marido e este lhe acariciava os cabelos. Ao som dos Beatles, Carol assobiava e Jun batia compassadamente o pé no chão, de leve para não incomodar a esposa deitada.

- Tadaima. – disse Miyuki, ao tirar os sapatos e calçar os chinelos.

- Okaeri. – Carol se levantou – Demorou, Miyu-chan.

- É que eu vim a pé, okaasan. – ela caminhou e se sentou aos pés dos pais.

- Nande? – Jun se manifestou – Podia ter pegado um táxi, ou me ligasse que eu ia te buscar.

- Daijoubu, otousan. – e de repente ela se pôs de joelhos e abaixou a cabeça até o tapete – Eu não passei! Hontou ni gomen nasai!

Jun e Carol se olharam por um momento, espantados, afinal a filha era muito dedicada. Depois, olharam para ela que, prostrada, prosseguiu:

- Eu prometo para vocês! Vou estudar mais e ano que vem eu vou entrar na Universidade de Tóquio. Eu sei que vocês queriam... – sua voz embargou e seus olhos encheram d’água - ... queriam que eu passasse. Gomen, hontou ni gomen.

Jun deu o coração à Carol, que sorriu e concordou com um ligeiro movimento de cabeça. Então, ele segurou nos dois ombros da filha e a ergueu, ficando ele também em pé.

- Miyu-chan, o que é isso? – ele secou as lágrimas dela com as pontas dos dedos e a abraçou – Por que se desculpou?

- Porque eu falhei com vocês, otousan. Vocês já sabiam que eu não tinha passado, né?

- Não sabíamos. – Jun a soltou e Miyuki o viu e sua mãe negando com a cabeça e sorrindo carinhosamente.

Vendo-os com tamanha ternura e compreensão no olhar, Miyuki voltou a chorar.

 - Como assim? O resultado foi divulgado às 10h. Vocês não viram no site? Eu... eu não consegui...

- Calma, Miyu-chan – dessa vez, quem a abraçou foi a Carol – Não chore. Você não falhou conosco.

- Mas... mas... eu não passei, okaasan.

- Tudo bem, ano que vem você tenta de novo.

- Isso mesmo, minha linda – Jun falou, dando tapinhas carinhosos na cabeça da filha, que chorava nos braços da mãe – Eu mesmo não fiz faculdade até hoje. – deu um sorriso maroto, Miyuki olhou para ele e também sorriu, já mais animadinha.

- Você não conta, otousan.

- É, querido, não conta, hahaha. – Caroline riu com os dois.

- Por que não? Que discriminação é essa? Minha filha e minha mulher... quem diria...

- Ah, Jun, para de drama! – Carol riu ainda mais e Miyuki a acompanhou, soltando-se do abraço e ficando ereta – Você foi escolhido por Kitagawa-san ainda no início da adolescência, sempre foi elite dentro da JE e nunca precisou se preocupar com isso.

- Demo... ahhh, mudando de assunto – Jun estava ficando sem graça, sempre que aquele assunto era levantado, ele se sentia tímido – Miyu-chan, sua mãe começou a faculdade com 21 anos.

- Eu sei disso.

- Então, chega de choro! – ele bagunçou os longos cabelos dela e os três se sentaram juntinhos no sofá, Jun entre as duas mulheres de sua vida.

Ela era tão linda, a sua filha! Tal como Caroline, Miyuki era baixinha, tinha 1.58m, mas seus cabelos eram bem cumpridos, ao contrário da mãe, que os mantinha curtos. Ela era uma bela mestiça, com olhos levemente puxados, pele clara, cabelos e olhos negros como uma oriental genuína, mas com a constituição física semelhante a da mãe, o que a tornava perfeita aos olhos de Matsumoto Jun. Ele sabia que mais dia menos dia algum outro homem ia compartilhar dessa mesma opinião. E era para esse homem que ela entregaria a chave de seu coração.

Essa sequência de pensamentos o fez recordar do propósito de terem pedido para que Miyuki fosse para casa antes de ir para a casa de Nino e Débora com Hiromi. As correntes.

Dar à filha as correntes foi uma decisão que ele e Caroline tomaram em conjunto, independente dela passar ou não no vestibular. Eles sabiam que ela era uma garota esforçada, e mesmo quando ia mal no colégio, nunca simplesmente desistiu de estudar, então não colocaram essa condição. Os pingentes não eram uma recompensa. Eram um presente.

Recompensa é quando alguém “faz por merecer” e ganha algo em troca. Presente é algo que você ganha, mas não é em troca de nada, não é uma “troca de favores”. Presente a gente dá mesmo quando a outra pessoa não precisa, mas mesmo assim queremos presenteá-la. Sem condições, simplesmente porque a amamos.

Foi assim que Jun e Caroline chegaram à conclusão de que dariam a chave e o coração a ela naquele dia. Para evidenciar que não importava se ela entrasse ou não na Toudai, isso não era uma determinante para que ela ganhasse aqueles presentes. E, por algum motivo, ambos até esperavam que ela não passasse, sabiam que quem não estudava ao máximo (Miyuki não tinha estudado tanto assim).

Mas... Afinal, ela ainda tinha 18 anos, poderia tentar novamente no próximo ano. O que ambos não entendiam é por que ela ficara tão visivelmente preocupada com o fato de tê-los desapontado.

- Princesa, me desculpe se alguma vez eu fiz parecer que... – ele começou, e se interrompeu no meio da frase, sem saber como prosseguir.

Carol entendeu seu raciocínio e continuou por ele:

- Desculpe se nós fizemos parecer alguma vez que era essencial que você passasse.

Miyuki olhou para os dois e sorriu, já com os olhos sem lágrimas:

- Daijoubu, okaasan, otousan. Ano que vem eu passarei, com certeza!

Caroline esticou a mão sem os colares sobre as pernas de Jun, segurou a mão de Miyuki e Jun beijou a filha na bochecha.

- É assim que se fala! – ele disse, com olhar cúmplice voltando-se para a esposa. – Karoru, acho que chegou a hora de dar a ela.

- Também acho, meu amor.

Caroline soltou a mão da garota e abriu a palma onde estavam os colares. Jun pegou o coração e olhou nos olhos da filha, estendendo a mão em sua direção. Carol fez o mesmo.

- Miyu-chan, eu e seu pai conversamos. Vamos dar isso a você.

- Os dois, okaasan?

- Sim, Miyu, – foi o pai que respondeu – os dois. O coração é seu e a chave do seu coração também é sua, para dar a quem quiser.

Novamente naquele dia, os olhos de Miyuki encheram-se de lágrimas. Mas desta vez, não eram lágrimas de tristeza, e sim de emoção e gratidão.

Ela conhecia a história de amor de seus pais, da qual os pingentes eram elemento essencial. No coração, gravado com entalhes delicados, a frase em português: “aqui só entra quem tem a chave”. E o vazado da fechadura, onde a chave se encaixava perfeitamente. Aquelas correntes permaneceram em volta dos pescoços de seus pais por anos, e agora eles as estavam dando a ela.

- Arigatou, okaasan. – ela esticou a mão e Carol entregou-lhe a chave.

- Miyuki, vire-se um pouco, onegai. – Jun pediu, e delicadamente afastou os longos cabelos da garota e fechou-lhe o colar ao redor do pescoço, com o coração pendendo sobre o peito.

- Arigatou, otousan. - Miyuki voltou-se para eles. – Eu amo vocês! Vocês são os melhores pais do mundo!

Ela então ficou em pé, em frente a eles, e os abraçou, com algumas lágrimas escorrendo em sua face.

- Nós também te amamos, Miyuki! – os dois falaram em uníssono, e Jun completou – Você é a melhor filha que um pai podia querer.

- A melhor filha que um pai e uma mãe podiam querer, né Jun?? – Carol fez voz de brava e logo caiu na risada, sendo imediatamente acompanhada pelos dois.

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